quinta-feira, 23 de julho de 2015

Momô


Fui morar em uma quitinete e o basculante do meu quarto dava para a área de serviço dos meus vizinhos. Escutava tudo dentro do apartamento deles e vice e versa.
D. Elza e Seu Adão aparentavam ter os seus 77 anos de idade e casaram-se bem jovens. Seu Adão conseguiu um emprego público e com muito esforço compraram um apartamento à prestação. Tiveram três filhos. As prestações estavam ficando pesadas e D. Elza começou a vender quentinhas para toda a vizinhança. Teve vários empregos como cozinheira e conseguiu adquirir muitos talentos culinários. Suas quentinhas ficaram conhecidas e eram muito requisitadas. Seus filhos ajudavam com a entrega, mas nunca deixaram de estudar. Seu Adão falava que eles poderiam passar fome, mas não deixariam de pagar uma prestação se quer.
Falei com a D. Elza através da janela com o meu apartamento ainda sem móveis e aquele foi o nosso primeiro encontro. Depois daquele dia o meu único diálogo com eles era: Bom dia! Boa tarde! E Boa Noite!
Apesar do diálogo restrito a vida dentro de casa era de intensa intimidade. Ir ao banheiro ou lavar uma louça era suficiente para escutar tudo. Na verdade me rendeu umas boas risadas. Seu Adão falava coisas do tipo: “Tenho que beber água pra lubrificar as juntas” ou “ Minhas duas velhinhas”. O Seu Adão tinha uma cachorrinha chamada Sasha. Saia religiosamente várias vezes por dia com ela.  A cachorrinha deveria ter uma idade compatível com a deles, porém a Sasha estava mais apagadinha. Um poodle que andava bem devagarinho. Mas o que mais me fascinava era como D. Elza e Seu Adão se chamavam: Momôôô!!!
Muitas pessoas se chamam de Amorzinho em público, mas em casa é de imbecil pra baixo. Toda a verdade está dentro das quatro paredes e incrivelmente eu estava junto com eles. Não compartilhávamos apenas um basculante, mas as nossas vidas. Acabei fazendo amizade com eles e os visitava com frequência.

Conhecendo D. Elza e Seu Adão vi que o casamento pode realmente dar certo. Dar certo não significa que não haverá problemas e desentendimentos, mas significa que o carinho permaneceu. Vi que eles não se chamavam de Momôôô por hábito ou porque não sabiam o nome um do outro, pelo contrário, se conheciam muito bem. Aquelas palavras estavam impregnadas de muito amor. D. Elza faleceu recentemente e o até que a morte os separe foi concretizado. Tenho certeza que se pudessem optar encarariam mais muitos anos juntos. Eu posso lhes dizer que conheci um casamento feliz. E você? Está dando valor a pessoa que está ao seu lado? Está conseguindo ver mais as qualidades do que os defeitos? Será que você fez a escolha certa? O mais importante é que você esteja feliz com ou sem alguém.

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