Fui morar em uma quitinete e o basculante do meu
quarto dava para a área de serviço dos meus vizinhos. Escutava tudo dentro do
apartamento deles e vice e versa.
D. Elza e Seu Adão aparentavam ter os seus 77 anos
de idade e casaram-se bem jovens. Seu Adão conseguiu um emprego público e com
muito esforço compraram um apartamento à prestação. Tiveram três filhos. As
prestações estavam ficando pesadas e D. Elza começou a vender quentinhas para
toda a vizinhança. Teve vários empregos como cozinheira e conseguiu adquirir muitos
talentos culinários. Suas quentinhas ficaram conhecidas e eram muito
requisitadas. Seus filhos ajudavam com a entrega, mas nunca deixaram de
estudar. Seu Adão falava que eles poderiam passar fome, mas não deixariam de
pagar uma prestação se quer.
Falei com a D. Elza através da janela com o meu
apartamento ainda sem móveis e aquele foi o nosso primeiro encontro. Depois
daquele dia o meu único diálogo com eles era: Bom dia! Boa tarde! E Boa Noite!
Apesar do diálogo restrito a vida dentro de casa
era de intensa intimidade. Ir ao banheiro ou lavar uma louça era suficiente
para escutar tudo. Na verdade me rendeu umas boas risadas. Seu Adão falava
coisas do tipo: “Tenho que beber água pra lubrificar as juntas” ou “ Minhas
duas velhinhas”. O Seu Adão tinha uma cachorrinha chamada Sasha. Saia
religiosamente várias vezes por dia com ela. A cachorrinha deveria ter
uma idade compatível com a deles, porém a Sasha estava mais apagadinha. Um
poodle que andava bem devagarinho. Mas o que mais me fascinava era como D. Elza
e Seu Adão se chamavam: Momôôô!!!
Muitas pessoas se chamam de Amorzinho em público,
mas em casa é de imbecil pra baixo. Toda a verdade está dentro das quatro
paredes e incrivelmente eu estava junto com eles. Não compartilhávamos apenas
um basculante, mas as nossas vidas. Acabei fazendo amizade com eles e os
visitava com frequência.
Conhecendo D. Elza e Seu Adão vi que o casamento
pode realmente dar certo. Dar certo não significa que não haverá problemas e
desentendimentos, mas significa que o carinho permaneceu. Vi que eles não se
chamavam de Momôôô por hábito ou porque não sabiam o nome um do outro, pelo
contrário, se conheciam muito bem. Aquelas palavras estavam impregnadas de
muito amor. D. Elza faleceu recentemente e o até que a morte os separe foi
concretizado. Tenho certeza que se pudessem optar encarariam mais muitos anos
juntos. Eu posso lhes dizer que conheci um casamento feliz. E você? Está dando
valor a pessoa que está ao seu lado? Está conseguindo ver mais as qualidades do
que os defeitos? Será que você fez a escolha certa? O mais importante é que
você esteja feliz com ou sem alguém.